ESTÉTICA DA EDIÇÃO
Surgiu o livro: a tela branca analógica permitia disseminar idéias, criou novos hábitos, deu o suporte necessário para a ciência se entender como ciência, para a Literatura se entender Literatura. As idéias disseminadas eram dos poucos que tinham a grana para isso.
Surgiu o cinema: a grande tela brilhante tinha o poder de reunir platéias, seduzir idéias, criou uma nova arte, deu o suporte necessário para várias gerações sonharem com a telepresença. As idéias disseminadas eram dos poucos que tinham grana para isso.
Surgiu a televisão: a pequena tela brilhante tinha o poder de reunir famílias, manipular idéias, criou novos hábitos, deu o suporte necessário para efetivar o Big Brother. As idéias disseminadas eram dos poucos que tinham grana para isso.
Surgiram o computador, o celular e a internet: as múltiplas telas brilhantes têm o poder de reunir distâncias, agregar idéias, mudou a relação com o mundo e com a informação, deu o suporte necessário para efetivar uma democracia virtual, mesmo sendo ainda alto o número dos excluídos digitais. As idéias disseminadas são do morador do morro em guerra no Rio de Janeiro, que acessa a rede da lan house de sua favela.
Essas idéias que invadem o modelo difusionista de comunicação somam-se a outras tantas com perspectivas e diferentes vozes para o mesmo assunto, reúnem-se em uma tag qualquer em algum canto do ciberespaço, são apropriadas por um outro anônimo – ou nem tanto – que usa os recortes da idéia original – ou de uma outra idéia – para elaborar o seu discurso. Ou melhor: montar o seu discurso.
Cada vez menos a inovação está efetivamente na originalidade da idéia. Cada vez mais o original se revela na montagem do discurso, na escolha do hiperlink, na estruturação do hipertexto. Deixamos de criar idéias, simplesmente, para associar informações, percepções. Para construir uma nova estética.
A estética da edição só é possível pelo acesso disseminado ao computador e à internet, ao ponto de nos tornarmos cidadãos do ciberespaço, com papéis a serem executados nas redes virtuais em que estamos inseridos, com a articulação colaborativa na troca de idéias e realização de trabalhos, com reputação e popularidade próprias.
Esse cenário pede um novo entendimento de arte: independente da modalidade artística desenvolvida, ela sempre passará por uma – ou várias – interfaces, mesmo que somente indiretamente, por meio da citação dos trabalhos e dos perfis virtuais pessoais dos artistas envolvidos no projeto artístico.
No entanto, é possível pensar em um trabalho artístico mais genuíno do ciberespaço, que não somente esbarra na interface, mas dela se apropria para expressar sua arte. A internet não é somente um meio pelo qual disseminamos textos, play lists, ilustrações e filmes. Ela é um formato que propicia que textos, músicas, ilustrações e filmes sejam pensados e assossiados a partir de uma interface proposta artisticamente.
A arte do espaço virtual está na escolha dos hiperlinks, na organização dos conteúdos, na poética presente em uma arquitetura de navegação e no layout escolhidos propositalmente para provocar sentidos desejados pelo objeto artístico. A idéia se manifesta e é entendida na interface. Não basta mais fazer arte, é preciso saber editá-la.
Eros Trovador
Novembro de 2010