Manuel Bandeira
POÉTICA
Poema retirado do livro “Os Cem Melhores Poemas do Século", da Editora Objetiva
Estou farto do lirismo comedido
do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e
manifestações de apreço ao Sr. diretor
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho
vernáculo de um vocábulo
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com
cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às
mulheres, etc.
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
– Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.